23 abril 2009

de nuvem

minhas mãos tremem
suam
ardem

consomem, os meus olhos, livros e livros e livros
poemas,
cartões de aniversário,
bula de remédio,
rótulo de condicionador,
mas nunca, em momento algum,
encontram o que procuram

meus lábios secam
amargos
condenados às tormentas e ao agreste sabor da ilusão
minha lingua cala
gelada
as palavras e palavras e palavras que não sei dizer
as alegrias que não sei viver
as tristezas que não sei sentir

meus olhos tremem
diante do meu peito desestruturado
diante das xícaras e xícaras de chá pra acalmar os nervos
minhas mãos secam
estúpidas
cansadas de tantos desencontros e poréns
meus lábios se contorcem de agonia
de paixão
de procura
diante de tantos vazios
diante de tantas árvores de plástico
diante de tanta etiquetagem

minha língua sangra
dormente
meticulosamente silenciosa
tentando conter todos os gritos
todas as revoluções
todo o desespero desse amontoado de ilusões
tentando guardar dentro do peito a poesia de amor em falso
fingindo ser quietude um coração que é transtorno.


*

17 abril 2009

Sem alardes

Sentir.
Deixar-se sentir.
assim, simples, pura, intensamente.
Ser invadida,
preenchida.
Ser instante
instável
surpreendente.

As moléculas de ar, partículas de vida, átomos do tempo, percorrendo o corpo cansado, a mente cancerígena, percorrendo cada pêlo, transbordando em cada gosta de saliva, transformando cada mísero pensamento. Os olhos suam.

Sem surpresas,
sem nuances,
sem dor.
A pele se encolhe
arrepiada
arredia.
O lírico introspecta-se,
revela-se,
sem alarmes,
sem surpresas,
sem cor.

O vento sopra, revirando cada fio de cabelo, evaporando cada lágrima, redecorando o rosto, o gosto por estar ali, parado, quieto, simples. O ar ao redor a reorganizar, obsoleto, as moléculas e vazios ao redor do corpo, os átomos do tempo ao redor da vida, as partículas de poeira a assentar na pele.

Livre
Concreto
Faminto

As palavras que deslizam, analfabetas, necessitadas, escorregadias, símbolos e símbolos e símbolos... sons e sons. O refúgio dos que ainda não aprenderam a se conter, se conformar, se ler sem a letra sem dono da poesia. As palavras despencam, escapam calmas, gentis, intensas.

Sair.
Sentir
o amargo respirar
o doce respirar.
Deixar-se entrar.
Deixar-se ver.
Suar de beleza,
de angústia,
de paixão.
Permitir-se.
Provocar-se à vida.

Os átomos do tempo. As células do corpo. Os hiatos entre a memória e o sonho. As salivas. Os suores. Os desesperos os deslumbres o desbunde a fantasia. As pessoas. As esfoliações para eliminar a camada de células mortas. As proliferações. Os poemas. As complexidades, as inalcansáveis e incompreensíveis complexidades que nos movem...

no alarms,
no surprises,
please.

*