05 janeiro 2011


"E ela estava ali, parada, olhando, ouvindo, se esforçando para não sentir nada que lhe fosse proibido... ela estava ali, me vendo chorar feito uma criança, conhecendo toda minha solidão, me invadindo conforme eu lhe estendia todas as revoluções que estavam me enlouquecendo. Senti o esforço dela em não me tocar, senti o cheiro da vontade de estar mais perto, a agonia por quebrar todos os procedimentos politicamente corretos e se lançar ao novo. Eu senti sua dor em nossa impossível chance, vi em seus olhos as palavras que mentia para não se entregar, acolhi cada um de seus vagos e falsos conselhos. Lutei para que meu peito explodisse menos e não me entregasse ainda mais, lutei para que me fizesse entender na compreensão de sua sinceridade a negar tudo quanto pudesse entregá-la.
Sei que nossas solidões se reconheceram, nossos olhos se esconderam uns dos outros para podermos seguir adiante, apesar de toda aquela entrega emocionada e silenciosa."

e depois de seus olhos me gritarem essas rodas vivas e rodas gigantes, consentindo meus silêncios e mentiras mal contadas pelo olhar, só me restam as cordas do meu empoeirado violão...

de carne, pano e poesia


à minha poupeé de tissu,
que sempre vem brincar nos meus pensamentos,
vem chorar nos meus desesperos,
ver rir bem alto quando é de riso o meu choro,
vem dissolver as minhas angústias
e celebrar os meus sintomas de vida...

à minha boneca de carne, pano e poesia,
que sempre me vem feito saudade,
quando me cantam e encantam seus sons favoritos,
quando me invadem seus poetas amantes,
quando me encontram seus silêncios e abismos...

e quando me sinto só,
no meio de toda gente,
sei que é ela o pedaço que me falta,
e quando sou silêncio no velho jorge ben,
não sou ninguém menos que ela...

porque ela,
doce e cruelmente,
cheia de humanidade,
escreve um livro comigo,
desde ontem, desde nunca, desde sempre...
sem linha, sem palavra, sem voz,
porque a gente já não precisa de nada disso...