25 junho 2010

amanheci-me


Eu hoje acordei meio ela
metade doçura, metade revolução
metade contentamento, metade vontade
eu acordei com sol já pesado, maduro
meio sem querer
meio sem senão
meio sem par
sem dor

metade carne metade sonho
e numa pagu metade macabéa
fui sendo dono de seus toques e vícios
fui sendo dono de seu olhar de tela
olhando para as flores de maio na sala
olhando nos olhos de outros e meus
sorrindo e chorando, virada pra dentro
dolorida
amante do mundo
muda
solta

fui assim, meio ela, meio meu,
corpo a fora, língua a dentro...
invadi suas saudades, seus assédios, suas lutas
senti-lhe corar pele na sensualidade reconhecida
senti-lhe tremer de tanto céu a guardar
deixando-se ir
nuvem
canção
fome

fui livre o bastante para não entendê-la
fui homem, fui bicho, dentro dela fui rio
fui um silêncio que jamais soube existir
metade grito metade olhar
um silêncio afinado com cada fio de seu cabelo
com cada piscar de olhos, com cada angústia
fui grande o bastante para deixá-la ir
com suas vozes e versos
com suas lágrimas anônimas, com seus desesperos, com sua cor

e já não sei se eram delas ou meus aqueles vôos
aquelas histórias e aquela solidão
porque depois dela
depois do nosso talvez último amanhecer de mesmo sol
eu nunca mais saberei se vou ou volto de mim
daquilo que em mim não vi nela
daquilo que não sou e fui
das sinestesias que, homem, desconhecia
da doçura
da revolução
dos assédios
da luta
do silêncio que eu julgava não existir.

30 março 2010

sem nome nem nada


Veio leve
solta
morena de sol e som
Veio envolta em ar que desconheço
descalça e tardia de razões
sem propósitos, sem grandes planos, sem mistérios

Trouxe em sua pele tons pastéis e sons sutis
em seus pelos substâncias inéditas que me contaminaram
falou da música que ouvira repetidamente no rádio distraída sem perceber
falou da delicadeza com que o sorriso da criança que via toda semana a fez sentir prazer por estar ali, olhando

Veio bela
veio toda
sem dimensões ou precipícios, veio senhora e menina
disposta a contar e ouvir como quem senta na soleira da porta no fim do dia
fazendo parte de alguma coisa
sendo parte do acontecimento e da poesia de viver
sem nome nem nada

veio sem pressa
sem peso
veio prosa cadenciada e gostosa de se ouvir
veio voz.

27 fevereiro 2010

de dentro do segundo, o seguinte...


O sol desta quinta feira nasceu tímido, e não diferente das outras manhãs nubladas, o dia me invadiu inspirado e infantil... me invadiu com a melodia de Medieval II e condenou os meus minutos todos a horas de coração dilatado. "Às vezes eu amo tanto que tiro férias e embarco num tour pro inferno", e não falo só do amor entusiasta e multicolor em par, não, é um amor maior que ainda não entendo e não sei satisfazer... é um amor além da paixão, da amizade, além do outro... é um amor que eu busco e encontro nas pequenas coisas, nos esporádicos acontecimentos em que a alegria é quase plena, uma vontade, um orgasmo além-carne, que tá ali, de repente, me olhando de perto, e eu não tenho um olhar que o enxergue ou sabedoria para agarrá-lo e contê-lo em mim... não... é como se me escapasse, como se ficasse sempre a desejar, essa agonia estranha, esse ímpeto sem nome, esse amor que não sei dizer...
Talvez seja a minha vontade de agarrar cada momento e sugar todo seu sabor ou dissabor, toda sua ventura, todo seu acontecimento. Talvez seja meu medo de, de repente, me ver num corpo estranho, se enfeitando no espelho, procurando por um eu que ficou lá trás, em alguma emoção que deixei fugir, "sentindo que minha vida foi sugada por um aspirador de pó"... Talvez seja, ainda, uma vontade estúpida e abstrata, de ter tudo, ao mesmo tempo, acontecendo dentro de mim...
Às vezes me sinto uma nuvem, perdida num labirinto, procurando uma roupa que lhe caiba, mas que nunca acha, porque nem mesmo sabe o que procurar para sua forma que não se define nunca... uma menina que sorri com o corpo todo nas pequenas alegrias, que gosta da simplicidade, mas que não encontrar um olhar que enxergue e complete esse amor todo que não existe na solidão e que também não está em outro alguém, um amor que se mostra nessa distância entre o meu e os outros olhares para o mundo, entre a minha e as outras texturas de pele, entre a minha e as outras sedes pela sensação e acontecimento que é a vida, entre a minha voz e todos os outros sons do mundo, entre o que eu desconheço dentro e o que eu desconheço fora de mim.

14 fevereiro 2010


Chegaste
E, de repente, diante teu olhar pierrot
Mergulhei em todas as minhas agonias e desejos
Como quem redescobre cada espaço, cada emoção, cada palavra
Num mundo que, adormecido, já não poderia se recompor
Sorri por dentro, simplesmente por estar ali
A contemplar...

Fervi embriagada e escondida, a querer,
Nos confins de tuas noites bailarinas, ser sonho
Ser pavor, calor, poesia desenfreada
E rasgando todos os meus dias e planos vieste, manso,
Fazendo-me o coração inchar, romper com o mundo,
Tragando os meus minutos e canções
Cujos ritmos e rimas tentaram desvendar teu caminhar

Eu, sem perdão, sou total entrega
À correnteza controversa de sua pele e sua voz
Às estranhezas de teu silêncio e música
À tua sede de tudo...

Como um céu que fica verde, lilás, vermelho
E as cortinas, junto aos poros, que se abrem, arrepiando
No anseio por todos os transtornos e deleites
Nas revoluções a me alucinar os nervos e ossos
No agonizar das lembranças poucas
No absorver de tudo ao redor a decorar uma nova percepção
E em tudo o que se pode envenenar
Com as sinestesias da paixão.