25 junho 2010

amanheci-me


Eu hoje acordei meio ela
metade doçura, metade revolução
metade contentamento, metade vontade
eu acordei com sol já pesado, maduro
meio sem querer
meio sem senão
meio sem par
sem dor

metade carne metade sonho
e numa pagu metade macabéa
fui sendo dono de seus toques e vícios
fui sendo dono de seu olhar de tela
olhando para as flores de maio na sala
olhando nos olhos de outros e meus
sorrindo e chorando, virada pra dentro
dolorida
amante do mundo
muda
solta

fui assim, meio ela, meio meu,
corpo a fora, língua a dentro...
invadi suas saudades, seus assédios, suas lutas
senti-lhe corar pele na sensualidade reconhecida
senti-lhe tremer de tanto céu a guardar
deixando-se ir
nuvem
canção
fome

fui livre o bastante para não entendê-la
fui homem, fui bicho, dentro dela fui rio
fui um silêncio que jamais soube existir
metade grito metade olhar
um silêncio afinado com cada fio de seu cabelo
com cada piscar de olhos, com cada angústia
fui grande o bastante para deixá-la ir
com suas vozes e versos
com suas lágrimas anônimas, com seus desesperos, com sua cor

e já não sei se eram delas ou meus aqueles vôos
aquelas histórias e aquela solidão
porque depois dela
depois do nosso talvez último amanhecer de mesmo sol
eu nunca mais saberei se vou ou volto de mim
daquilo que em mim não vi nela
daquilo que não sou e fui
das sinestesias que, homem, desconhecia
da doçura
da revolução
dos assédios
da luta
do silêncio que eu julgava não existir.

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