22 fevereiro 2009

ventura


Começo estas linhas com um esmalte vermelho corroído pelas árduas e doces cordas de meu violão. Sim, estou invadindo este novo ano, mais ou menos nove anos depois de ter vivido meu primeiro grande amor, um amor proibido, cheio de problema, cheio de desbunde, um amor amarelado pelo tempo, só meu, ferido, incômodo, traiçoeiro e não sei porquê, com uma carapaça de quimera tão resistente ao tempo.
O ano virou, e com direito a fogos no céu, a abraços amigos, a beijo apaixonado, edredon inaugurando o ano todo sem-vergonha, lampejei os seus primeiros minutos. E foi assim, minuto após minuto, esperanças latejando nas idéias, planos, sangue renovado lavando em correnteza as veias velhas do meu corpo, e nenhuma lágrima sequer, até então...
Cá estou, eu e os últimos vestígios desta minha tarde solitária, abraçados, embriagados um do outro. Meu violão surrado encostei para, quem sabe assim, nestas linhas sujas, limpar o que há em mim, chorar tudo, remoer, reviver... Fiz a besteira, a enorme besteira, de sem menos, sem mais, retomar minha antiga pasta de músicas, empoeirada ficasse - antes a lembrança quase virando esquecimento em suas páginas, que esta amargura, esta saudade, como nunca, me ferindo como agora está.
Abri-a, e página a página fui me rendendo a um mundo, a um tempo até então enterrado com o sorriso da boa ventura, as portas e janelas de meu peito se abriram e respiraram tão fundo, que mal pude me conter, meus olhos suaram, minhas mãos choraram junto a cada nota dedilhada, minha voz a consagrar um tempo em que a paixão foi maior que toda e qualquer razão.
Um mofo na boca, uma lágrima tão antiga, uma fugacidade de tudo o que havia de bom, um desespero abençoado pela impossibilidade. Há uns anos eu desejaria voltar, rasgar todos esses tecidos com os quais dividi e orientei minha vida, gritaria, escreveria um poema, sonharia com intensos beijos apaixonados. Há uns anos seria e foi tudo diferente, tudo tão maravilhosamente imaturo, livre da doença da mágoa, livre da angústia do inacabado, livre da desesperança, livre de qualquer limite que se pudesse ter.
O mundo não perdoou minha fraqueza, não absolveu minha ilícita paixão, meu doce delírio de amor eterno, verdadeiro, sem intenção, fadado à minha eterna utopia de, algum dia, em algum lugar, fazer tudo diferente...
É apenas o início deste novo ano, e, ai, quanto já senti, já vivi... minha alma jovem hoje experimenta o peso dos anos trancafiados nas lembranças... E o meu sofrer é, não só esta saudade escondida, pecaminosa e tão sofrida, mas o corroer do pouco que me resta. O tempo tem destruído meus melhores momentos, minhas fugas da maldade e melancolia do mundo, o tempo devora minhas lembranças, dia a dia, consome uma linda história de cenário simples, de corações entregues, de traições, de eternidades juradas no olhar, de um amor verdadeiro.
De nada me atingem os que dirão “balela! pirraça!”, tampouco será castelo de areia o momento ímpar que agora tanto me consome. Vivi, e desta louca experiência que é viver, levarei os horrores que se apossaram do mundo, aos poucos, levarei o cheiro do edredon sem-vergonha e gostoso destas tantas noites, os soluços irremediáveis, os imaturos, os miseravelmente maduros, levarei os safanões dos dias, a meticulosidade com que certas coisas acontecem, e sem dúvida, a grandiosa e inesquecível experiência do amor... o meu amor proibido que vira e mexe vem me prantear os olhos e os versos, levarei o amor concedido, que deu e dá certo na soma dos dias, levarei o primeiro dos amores, não tão intenso tampouco tão real quanto poderia, mas não menos preenchido do que pôde, os passageiros amores primaveris, carnavalescos, noturnos, embriagados...
Cá estou, prestes a eclodir, desmoronar por dentro, prestes a qualquer loucura que os papéis ou as palavras aceitem... prestes a um telefonema casual que me tire da cabeça isto tudo, prestes a quem sabe o quê...
E é assim... passam os anos, meus versos se atrofiam, meus pincéis dançam com preço cotado, meus olhos correm por entre as placas nas ruas, tantas vezes sem cruzar um olhar sequer... por vezes suam, secam, lêem detalhes deste mundo estranho, dormem... às vezes reluzem, lembrando de um único momento do qual nunca me esquecerei, um instante que se eternizou e que merece todos os versos e choros que, por ventura, voltem a me invadir.

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2 comentários:

  1. Encontro nossos diálogos e caminhadas nesse texto...É tão seu...tão meu...

    Ai, ai, ai...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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